Como muitas mulheres, Daniela Fabiana Pereira não fez os exames de rotina na pandemia em função das medidas de isolamento. Entre eles, a mamografia, que deve ser realizada por mulheres de 50 a 69 anos a cada dois anos, segundo o Ministério da Saúde, ou até mais cedo, por determinação médica, quando há sintomas ou fatores de risco envolvidos.
 


 

A consequência deste cenário é a perda da oportunidade do diagnóstico precoce, um diferencial no tratamento de doenças como o câncer de mama.

 

Para fechar a programação de outubro, mês que marca a luta pela conscientização sobre o assunto, a Unimed Nordeste-RS apresenta a história de Daniela, enfermeira há quase 19 anos na cooperativa – agora curada do câncer –, que descobriu, na própria pele, a importância do autocuidado ao enfrentar a doença.

 

Um diagnóstico, um novo momento

 

Agosto de 2022. Dani, como é carinhosamente chamada pela família e os amigos, descobre o diagnóstico. Mas os primeiros sintomas vieram ainda em abril, com frequentes dores no tórax, confundidas com dores musculares e que, apesar do tratamento, sempre voltavam.

 

Em junho, em mais um dia normal de trabalho, Dani atendia um paciente no Complexo Hospitalar Unimed quando começou a passar mal. Dessa vez era diferente. Ela ficou em observação, sendo submetida logo a uma ecografia. No exame, um nódulo no fígado. Benigno.

 

Novamente, como muitos, Dani não investigou mais sua condição de saúde. Era também um período tumultuado na família, porque o marido, Rodrigo, que tratava um câncer, havia passado por uma cirurgia recente para a retirada do tumor e de retocolite, ficou internado e precisava de cuidados.

 

Entretanto, em julho, as dores pioraram e, em razão do desconforto intenso, Dani já não conseguia se alimentar. No início de agosto, a enfermeira estava em uma festa de aniversário e novamente passou mal, sem conseguir comer nada. Foi aí que percebeu que ela precisava mudar de atitude.

 

“Eu chegava em casa, não tinha disposição para nada, ia direto para a cama, mas eu achava sempre que era cansaço. Pensei ‘não, eu vou ter que dar um jeito em mim’, porque eu sempre fui muito de cuidar dos outros e não cuidar de mim”, relata.

 

Em uma sexta-feira de agosto, Dani ligou para o consultório da gastroenterologista, já convencida de que a consulta talvez só fosse possível para dali a algumas semanas. 

 

“Liguei e a secretária disse ‘olha, você tá com sorte, Dani, porque recém uma paciente desistiu da consulta.’”

 

A enfermeira realizou o exame de endoscopia, que detectou uma gastrite, esofagite e uma pequena úlcera no estômago, mas, segundo a médica, nada que justificasse os outros sintomas. Ao revisarem a ecografia feita em junho, um ponto de atenção. O nódulo no fígado precisava ser investigado. Assim, a médica solicitou uma ressonância de urgência.

 

Não foi difícil para a enfermeira, que integrou a primeira equipe de profissionais do setor de oncologia na Unimed Nordeste-RS, entender o laudo. “Meu fígado estava tomado por metástases”, narra.

 

Os exames de sangue de marcadores tumorais e a mamografia confirmaram o resultado. Dani, que, aos poucos, já preparava a família para a notícia, entrou em desespero.

 

“Mas eu vou te dizer que eu não entrei em desespero pelo diagnóstico. Foi porque eu ia ter que sair (do trabalho), porque eu sabia que eu não poderia trabalhar para fazer o tratamento”, conta a enfermeira, que havia sido destacada para cobrir as férias de uma colega prestes a sair no mesmo período.

 

Sempre comprometida com o trabalho, Dani já começava a se sentir impotente.

 

“Aí veio a psicóloga (da Unimed), a Clarissa, que conversou comigo e disse ‘Dani, agora é hora de você cuidar de si, aqui a gente dá um jeito.’”

 

Cuidar de si, para poder cuidar do outro

 

Dani explica que a biópsia é o exame que revela o tipo do câncer e o tratamento. No caso dela, um câncer HER2, agressivo e de rápido crescimento.

 

“A palavra câncer assusta muito, é uma palavra muito agressiva. Como antigamente não se tinham tratamentos como se têm hoje, as pessoas tinham a noção de que câncer é morte”, observa a enfermeira, que se via tranquilizando a família. “Como eu trabalhei nessa área, eu sabia que havia tratamento e cura.”

 

O acompanhamento do mastologista e do oncologista também foi fundamental para que a família compreendesse a natureza da doença de Dani e como seriam os próximos passos do tratamento.

 


“Minha família! Minha base! Meus filhos, esposo, mãe, irmão, esposa dele e sobrinho, genro, amiga.”

 

Sem demora, começou a quimioterapia. Sempre calma e confiante, Dani preparou os familiares para a queda de cabelo, que se deu logo a partir da segunda sessão.

 

Com o casamento de uma prima chegando, Dani decidiu cortar o cabelo curto, antes de, enfim, precisar raspar. No salão, até a cabeleireira se emocionou e, naturalmente, foi consolada pela própria cliente, que afirmava com tranquilidade: “Meu cabelo vai crescer. Quando for ano que vem, eu já volto aqui. Você vai ver que meu cabelo vai estar bom”.

 

Foi esse espírito que inspirou Dani a registrar todo o processo de seu tratamento. Mais do que guardar suas lembranças de superação, um objetivo importante: “Quero escrever um livro sobre o histórico da minha doença”.

 

A enfermeira recorda que a amiga de longa data Fabiola, ainda dos tempos do início da oncologia da cooperativa, era a responsável por raspar o cabelo dos pacientes no serviço. Não à toa, foi escolhida a dedo por Dani quando chegou a vez dela. Fabi precisou de preparação – tanto para o momento, quanto para si mesma. O resultado foi uma lembrança que Dani guarda com carinho: música, registros feitos pelas filhas das duas (que também são amigas) e muita emoção, mas sem choro por parte dela. Afinal, a escolha era sempre por manter a leveza durante o tratamento.

 


"Meu irmão também teve um gesto de empatia, pois raspou o cabelo no mesmo dia que eu."

 

“Todo mundo me dizia ‘Dani, você é uma rocha, você não chora’. Aquele era o momento pelo qual eu mais estava esperando, de cortar e raspar todo o cabelo. Ou eu sou anormal, ou eu sou muito forte”, brinca.

 

Corrida de obstáculos

 

Era final do ano e Dani começou a experimentar alguns efeitos adversos do tratamento. Com o uso de corticoides, era natural o inchaço, encarado com bom humor. “Eu brincava que eu parecia uma bolacha Trakinas”.

 

Foi nessa época também que a enfermeira teve perdas de visão e formigamento nas mãos – que, mais tarde, levaram ao diagnóstico de uma isquemia –; farmacodermia (reação adversa aos medicamentos quimioterápicos), além de uma falta severa de apetite. Aí entrava em campo a rede de apoio, familiares e amigas que preparavam diversos pratos na tentativa de animar Dani.

 

Apesar dos esforços, ela teve desnutrição e precisou ser levada à internação. Foram 12 dias no hospital, onde a equipe do serviço de Nutrição e Dietética do Complexo Hospitalar Unimed também dedicava-se a oferecer alimentos nutritivos e, ao mesmo tempo, que despertassem o paladar.

 

No período da internação, mais intercorrências. Uma infecção urinária, amigdalite, otite, derrame pericárdico e trombose nas duas pernas. Uma equipe médica multidisciplinar prestava todos os cuidados e, assim como a paciente, também mantinha o bom humor. “Diziam ‘Dani, muitas dessas intercorrências ocorrem na extrema minoria dos pacientes e você quis todas elas para você’”.

 

“A minha mãe foi a pessoa que mais sofreu com essas reações todas. Mas eu dizia ‘mãe, vai passar, não é para sempre. Se eu tenho que passar por isso, é isso e deu. Deus está cuidando de mim e eu vou ficar bem’”, diz a enfermeira, que atribui à fé grande parte da força para enfrentar o tratamento.

 

É claro que houve dias ruins. A perda de autonomia foi difícil, ainda mais para quem prezava pela própria independência e adorava fazer seus trabalhos manuais. Dani precisou contar com ajuda para comer, cozinhar, tomar banho. A angústia da quebra de rotina foi aplacada pela companhia da família (incluindo os membros de quatro patas) e de amigos, que sempre se faziam presentes, seja no preparo de comidas especiais, em videochamadas ou em mensagens de incentivo – uma prática da amiga Fabiola – que apareciam de uma forma quase mágica, justo quando a enfermeira mais precisava de uma palavra de coragem.

 


"Minha amiga Fabiola."

 

Toda semana, o grupo de amigas Carina, Michele e Fernanda também aparecia em casa. “Era a tarde do café e bolo, já que eu não podia sair de casa (pela saúde fragilizada). Nós tomávamos café, dávamos risada… Essa rede de apoio é muito importante, tanto da família, principalmente, quanto dos amigos”, sustenta Dani, com gratidão especial à mãe, Marineli, que chegou a ir morar com ela por um tempo, para cuidar da filha.

 


"Minhas amigas Carina, Michele e Fernanda. A Carina mandava todo início da manhã um aúdio ou um vídeo de bom dia e perguntando como eu estava. Isso faz toda a diferença."

 

Cuidado completo – e para toda a vida

 

Ao longo do tratamento, em razão das intercorrências, Dani teve o cuidado de médicos hematologista, dermatologista, cirurgião vascular e neurologista, além de mastologista e oncologista. Hoje, ela ainda faz exames de controle e acompanhamento médico, junto à imunoterapia:

 

“Como foi um câncer metastático agressivo, preciso fazer esse tratamento com os bloqueadores (anticorpos) para que não volte o câncer, por tempo indeterminado. Alguns pacientes fazem há 10 anos, porque é uma prevenção”, detalha.

 

Dani também faz fisioterapia atualmente, o que tem contribuído de forma consistente para a retomada da autonomia. Aos poucos, a independência volta, acompanhada de muito aprendizado.

 

“Eu revi muitos conceitos. Foi um aprendizado e tanto com essa doença. Vi que, primeiro, a gente precisa cuidar da gente, antes de tudo se amar, para depois amar e cuidar dos outros”.

 

Dani relembra a reciprocidade de cuidado entre ela e o marido, Rodrigo, quando cada um precisou enfrentar seu diagnóstico. O mesmo aconteceu com a mãe, Marineli, que não mediu esforços para estar ao lado da filha e, mais tarde, precisou do mesmo apoio ao se recuperar de uma parada cardíaca, sendo sobrevivente de morte súbita.

 

“Foi um aprendizado que a gente viu... É uma luta, todo mundo estando junto, a gente consegue vencer junto também.”

 

Para quem está passando pela doença, Dani reitera a importância da rede de apoio, da fé – seja qual for a orientação – e dos pensamentos positivos. Todos elementos fundamentais para a manutenção da autoestima, outro conceito chave trazido pela enfermeira, que complementa:

 

“Eu não escolhi usar peruca, mas esbanjava bastante nos lenços, usava brincos grandes, colocava roupas bonitas. Porque, às vezes, você fica em casa de pijama, mas eu procurava sempre estar bem arrumada e tirar fotos, para depois ver toda a minha trajetória. Procurem elevar sua autoestima e saibam que isso é só temporário. E que tudo volta – não à normalidade, mas a algo bem melhor.”

 

"Minha filha, que se trata de depressão, pôde rever vários conceitos em relação à vida (o quão bela ela é), pois no início da minha doença ela estava com uma revolta imensa (mecanismo de defesa). Meus filhos ficaram mais independentes com esta minha doença. Acho que foi um crescimento para todos, um aprendizado, que devemos dar valor as pequenas coisas e sempre agradecer pelo dom da vida."

 

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